Noite de terror
Clotilde Tavares | 12 de janeiro de 2015Em meados dos anos noventa a Reitoria da UFRN me convocou para acompanhar uns alunos em um projeto. Quarenta e cinco rapazes e moças, de cursos variados, três dias numa cidade pequena para “um experiência de troca com a comunidade”, seja lá o que isso signifique. Minha função era circular pela cidade olhando o que os estudantes estavam fazendo e dando uma força se necessário.
E lá fui eu arrumar a bagagem: colchonete, cobertor, travesseiro, uma toalha, roupas. Como sempre, levei caderno, caneta, um livro pra ler, o celular (que não funcionou – era anos 90), a câmera. Nessa época, eu estudava astrologia e tarô, e levei meu baralho, uma caixa de fósforo e a vela que acendia sempre quando estudava o oráculo. Em um carro da universidade lá fomos nós, Serra do Doutor acima, muito acima de Currais Novos para esse lugar chamado Lagoa Nova, em pleno mês de maio, onde o clima era igualzinho ao da minha Campina Grande, aquela aragemzinha fina, fria, tão gostosa e tão limpa, principalmente com céu azul e sol brilhando. Os quarenta e cinco estudantes descobrindo a América. Dormir no chão, sobre o colchonete de 2 cm de espessura, usar banheiros alagados e unissex, comer gororobas indescritíveis e ensinar ao povo “inculto” o que é certo, o que se deve comer, como lavar as mãos, como se deve educar os filhos e etc. Investigar, pesquisar, aplicar formulários obsoletos desde a década de 1970, quando já eram uma metodologia ultrapassada.
Na primeira noite, os trios elétricos do Carnaval fora de época de Currais Novos, o Carnaxelita, colocam em estado falimentar o fornecimento de energia da região e a escuridão desce sobre a cidade e sobre o alojamento. A noite é chuvosa, sem lua nem estrela, e nada se enxerga, um verdadeiro breu. No banheiro, uma mocinha, nua e ensaboada, grita aterrorizada, tomada de pavor por causa da escuridão. Grita, grita sem parar, uma gritaria assustadora. As amigas informam: “Ela morre de medo do escuro.” Freneticamente, só pelo tato, desarrumo minha mala tão bem organizada para encontrar a vela e o fósforo que iria usar para a leitura do baralho e que é a única vela de todo o alojamento. Acesa, acalma-se o pânico da donzela, que é resgatada do banheiro, pálida e molhada. As amigas deitam-se com ela, colchonetes unidos, e quando a vela acaba trazendo novamente a escuridão, a criatura é tomada de pânico mais uma vez, e recomeça a gritar. E assim vai até que a madrugada trazer a claridade. Com o Sol, a calma desce sobre o alojamento, com estudantes e professora extenuados pela noite de terror. A vida às vezes parece um filme. Pois é.